Language is a virus

A Ilustrada publicou uma matéria sobre o Jack Kerouac. Nunca li Jack Kerouac. De longe, ele parece ser uma farsa. Sempre fui mais com a cara do Henry Miller, que escreve realmente bem e tinha plena consciência do que fazia. Mas como os beats estavam “sempre envoltos em nuvens de maconha da forte e constantes orgias sexuais alcoolizadas. Sem lenço nem documento. Like a rolling stone”, como diz a Folha, eles sempre fizeram muito mais sucesso.

Mas nem quero falar de como não vou com a cara do Kerouac. Quero falar do último parágrafo da matéria. Esse daqui, ó:

Podemos ver também no livro embriões de qualidades da escrita de cada um deles: agudeza conceitual de Burroughs, poder descritivo em Kerouac. Enquanto retrato íntimo da juventude boêmia nova-iorquina no tempo da guerra, é documento valioso. Traz de volta um tempo dinossauro, anterior à dominante feminista e gay.

Talvez o crítico tivesse a intenção de dizer que na década de 50, esse “tempo dinossauro”, ser gay era um tabu enorme, e os autores beats se sentiam deslocados. Se essa era a ideia que ele queria passar, ele a expressou de maneira tortuosa. Language is a virus. Mais parece que ele se lamenta da tônica feminista e gay dos autores recentes.

Não sei do Kerouac, por quem nunca tive interesse. Mas o Burroughs e o Allen Ginsberg eram bichas loucas. Obviamente que o crítico que escreveu a matéria da Folha sabe disso. O poeta beat e amigo do Bob Dylan até defendia um amor entre homens e garotos, um treco meio nauseante. Nos livros do Burroughs tem viadagem pra cacete – me lembro de ler Naked Lunch numa viagem pra Ubatuba com uns amigos do colégio, já depois de formado, e eu ficava horrorizado com as descrições de pintos que o Burroughs fazia, como de um pequeno e muito duro no qual ele gastou tempo e linhas.

Não dá para contrapor o “tempo dinossauro” com a (época) “dominante gay e feminista” simplesmente porque esta não é uma época gay e nem feminista. O mainstream literário de hoje não é gay ou feminista. O Bolaño não é feminista e nem gay. O Coetzee também não. O Orhan Pamuk tampouco. O Michel Houellebecq é um dos maiores vendedores de livros na França. Não o conheço direito, mas acho que também não é gay ou feminista. A Zadie Smith, que também vende pra caceta, não é gay e nem feminista.

“Ah, mas e a Doris Lessing e a Elfried Jelinek?”. Bem, li só um de cada, e não posso falar muito. Realmente, ambas são feministas. Mas isso é irrelevante. O fato é que ambas são boas autoras. (Se bem que aquele Lust era difícil pra cacete.) Mas na década de 50 já existiam feministas, pô.

Se ele queria dizer algo do mundo literário de hoje, que fosse do multiculturalismo que já vem incomodando um pouco pela onipresença. Com as exceções da austríaca e do francês, todos esses autores são fixados por várias culturas e por várias ideias concomitantes de mundo e pela paralaxe.

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