Turista de favela

Nesse domingo conheci o Morro Dona Marta, em Botafogo. Foi uma visita rápida e, portanto, minhas ideias sobre o lugar são superficiais.

Tenho um pouco de vergonha de dizer, mas fiquei com medo de levar o celular para fotografar. Bobagem minha. Ainda mais para uma manhã chuvosa de domingo, quase sem pessoas nas escadas e vielas.

Fiquei impressionado com a organização da favela. Logo de cara, na primeira ladeira, vi um mega estacionamento de bicicletas acorrentadas nelas mesmas (ou seja, com a roda travada). Na minha cabeça, bicicleta é indício de civilidade.

Um morador me viu andando no pé do morro e, sem que eu dissesse nada, me indicou onde era a entrada do bonde (que eu realmente pretendia tomar).

Quando o elevador chegou vi que aquilo faz uma diferença enorme para o lugar. O lixo desce do alto para a base da favela de bonde. E isso faz toda a diferença do mundo. Claro que tem lixo nas escadas e nas vielas, mas não mais do que nas ruas do Rio, bem mais sujas do que as de São Paulo (toma essa, Eduardo Paes).

O bonde tem quatro paradas. Saí na primeira, fui andando até a segunda, depois saí de novo e fiquei perambulando por lá. Chovia e estava nublado, então não vi a cidade do alto. E nem gente nas escadas.

Andei um bom tempo. As casas, claro, são todas de alvenaria, algumas têm três andares, e há até mini-edifícios no meio da favela. O segundo andar costuma ser mais largo do que o primeiro, principalmente nas casas que ficam perto das escadas.

O Dona Marta deve ser uma das favelas mais ricas do Brasil, e é evidente que trabalhadores especializados construíram as casas.

Depois de um tempo me enchi de bater perna e fui pegar o bonde para descer.

Em todas as vezes em que esperava o bonde fui abordado por moradores que queriam puxar conversa. Na subida, dois deles começaram falando sobre cachorros, já que tinham três lá. Um dos caras me explicou que cachorros são como gente –as cadelas só deixam os maiores montarem nelas, mesmo que os pequenos se esforcem para agradá-la.

Depois ele me contou como consegue, todos os dias, o mesmo bônus da operadora de celular (eu não entendi).

Na volta, um catador de latas me relatou minuciosamente como encontrou, num desses cestos de plástico na rua, uma sacola com cinco latas de cerveja cheias e geladas. Ele imagina que eram de alguém que queria muquiar as latas momentaneamente para pegar depois. Provavelmente um motorista que se aproximava de uma blitz. Como o bonde demorava a chegar, o morador também fez comentários sobre uma cena que havia visto na TV, um avião caindo e pegando fogo. Eu não sei do que se trata.

Chamou minha atenção o fato de tantas pessoas terem conversado comigo. Nunca conversei com os vizinhos do prédio onde moro há três anos, e nem tenho vontade. Mas gostei de falar com os moradores do Dona Marta.

É evidente que eles sabiam que eu não era de lá. E talvez por isso quisessem que eu me sentisse confortável. Ou então eles são conversadores, mesmo. Ou então trata-se de um motivo econômico: quando saí vi, já em Botafogo, um totem com explicações turísticas sobre o morro -ou seja, turistas de favela, como eu, já são esperados, e turista, claro, é sinônimo de dinheiro. Eu mesmo deixei lá um pouco que gastei com miudezas.

Depois, seguindo o meu programa de turista, fui tomar um banho de mar.

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